Eu cresci em Ipanema, no Rio de Janeiro. E como todo moleque de classe média carioca, desenvolvi naturalmente uma certa dose de preconceito contra “a macumba” – não apenas a religião em si, mas qualquer coisa levemente relacionada com cultos e ritos africanos. Um dia, já adulto, me mudei para São Paulo, e conheci um baiano gentil e generoso chamado Zeno Millet. Trabalhamos juntos por alguns anos antes de eu descobrir que ele era da macumba. Na verdade, do Candomblé. O Zeno, me disseram, era neto da famosa Mãe Menininha do Gantois, que eu conhecia de nome por causa da música da Gal Costa, e filho da então mãe de santo daquele mesmo terreiro, Mãe Cleusa. Nunca tive a oportunidade de conhecer nenhuma das duas. Mas olhando meu amigo Zeno, não conseguia reconhecer nenhum dos motivos pelos quais eu tinha tanto medo de macumba. Pelo contrário. Então resolvi perguntar. Não para me envolver na religião, porque se por um lado adoro o tema, por outro tenho uma profunda dificuldade de lidar com as hierarquias religiosas, por ter crescido dentro de um culto – mas isso conto numa outra oportunidade. Perguntas e respostas então se transformaram em uma conversa que durou anos. Que virou pesquisa. Que virou quadros que tive a oportunidade de expor pelo mundo e... esse livro.
Se há uma pessoa, um único individuo a quem devo agradecer, portanto, é o Zeno. Cada capítulo, cada conflito, cada personagem foi discutido em detalhes com ele. Era ele quem abria as portas para conversas com tantas pessoas “do santo” de onde tirei várias das estórias e mitos que usei nesse e nos próximos livros. “Oxóssi me disse que eu posso lhe contar isso aqui. As histórias, não os segredos.” – disseram alguns dos meus entrevistados, frisando o privilégio e a responsabilidade que me davam. Eu nunca soube exatamente como o orixá havia lhes autorizado a falar, mas foi por causa disso que, dez anos depois de ter escrito esse livro, eu voltei a pensar em publicá-lo.
Nessas conversas, conheci pessoas incríveis. Divertidas. Sábias. Intrigantes. Todas incrivelmente importantes para minha pesquisa. Infelizmente, essa década entre a pesquisa e a publicação com certeza me fará cometer algum erro. Mas mesmo sob o risco de deixar gente importante de fora, não poderia deixar de citar a generosidade de Mônica Millet, Ildásio Tavares e da mais que impressionante Mãe Stella de Oxóssi, ialorixá do Ilê Axé Apó Afonjá.
Foi o Zeno que me apresentou também ao professor Reginaldo Prandi, da USP, autor de vários livros sobre o assunto, incluindo o infantil Os príncipes do destino e o célebre Mitologia dos orixás. Primariamente através de sua pesquisa mas também através de orientações diretas, o professor Prandi foi fundamental no meu processo. Não posso esquecer porém de outros autores que dedicaram tempo e energia para registrar por escrito uma tradição essencialmente oral. Entre eles, Pierre Verger, Juana Elbein dos Santos, Cleo Martins e Agenor Miranda Rocha; assim como dois acadêmicos que pacientemente me ajudaram a entender por onde eu deveria começar minha pesquisa bibliográfica e conviveram por meses com minha excitação histriônica a cada descoberta: os professores Maria Clementina Cunha (Unicamp) e Leonardo Pereira (PUC-Rio). Que fique registrado porém que qualquer erro ou imprecisão aqui é de minha inteira responsabilidade. Todas essas pessoas me ofereceram mais do que eu poderia pedir. A eles, só tenho o que agradecer.
Sendo obra de ficção, contudo, há mais influências que apenas orientadores e fontes.
Eu sou um contador de estórias. Faço isso profissionalmente há cerca de 20 anos entre a propaganda e a pintura (meus quadros sempre foram momentos de uma estória). Onde quero chegar é que adoro o ofício, mas não sou escritor. Este livro foi reescrito 7 vezes, sob o olhar obsessivo de Maria da Graça Milet, Gabriela Beraldo, Beth Gouveia, Juliana Batista.